Então cê quer que eu traga meu cabelo sempre cortado
Porque crespo se cresce, você fica muito incomodado
Como se meu cabelo grande ferisse se olhar
Como se eu fosse o patinho feio ou uma aberração
Então eu tenho assim cortado pra a gente de boa ficar
Talvez eu não queira mais seu olhar de desaprovação
Cê quer que eu traga o cabelo raspado na um ou na zero
E seu descontentamento com minha pessoa eu não quero
Talvez cê queira mesmo que eu nem tenha mais cabelo
Que eu traga sempre meu couro cabeludo no pelo
Pois segundo você diz, o meu cabelo é ruim
Porque ele é não sei que lá assim assim
E o que é ruim tem que ser eliminado
E pra não contrariar eu tenho raspado
Mas eu acho que você é que está sendo ruim
Quando não aceita a natureza em mim
E quer desta maneira me inferiorizar
Porque meu cabelo faz você se apoquentar
Mas é cabelo de negro, de africano, rapaz
Que vem desde meus milenares ancestrais
Então cê quer mesmo minha cabeça só raspada
Pra você não se sentir assim tão aporrinhada
De que meu cabelo é duro , não sei mais o quê
E se eu cresço ele, você não ‘guenta ver
Mas o que é duro mesmo é esse seu discurso aceitar
Quando você passa a alguém querer depreciar
Em função do cabelo ou pele que a natureza lhe dá
Mas eu tenho até raspado pra você não se encolerizar
Cê quer minha cabeça sempre raspada então
Talvez não queira nem que eu deixe o pimpão
Porque o meu cabelo a deixa mesmo desconfortado
Então pra você não se exasperar eu tenho raspado
Assim é que eu tenho feito sua vontade
Você quer minha cabeça sempre raspada
Pois se crio cabelo cê fica mesmo exaltado
Mas agora eu resolvi tomar a liberdade
De transar o meu cabelo como eu bem quiser
Vou criar cabelo grande; cê vai ver como é que é
Ou será que eu tenho que lhe pedir licença
Pois talvez que manda em meu cabelo você pensa
Eu vou é deixar meu cabelo crescer um bocado
E não to nem aí se você vai ficar no desagrado
Você quer minha cabeça sempre raspada
E pra você não se sentir incomodada
Eu tenho raspado meu couro cabeludo
Com máquina um , zero, gilete e tudo
Pois cê diz que meu cabelo é duro, é ruim
E eu tenho ido em suas águas assim
Mantendo minha cabeça raspada
Pra você não ficar injuriada
Só que agora eu fiquei já retado
Eu vou deixar meu cabelo crescer adoidado
Você só quer meu cabelo cortar
Mas agora resolvi meu cabelo criar
Num Black Power bem alto e volumoso
Eu quero mesmo ver você ficar furioso
Meu pixaim, do bicho vai ficar
E de raiva você vai se estrebuchar
Vai crescer tal que na bucha vai ficar
E na esponja a bucha vu realçar
E você de ódio vai se lascar
Você só quer meu cabelo cortar
Mas uns dreads cabulosos eu vou transar
A lá Bob Marley, rebelde, irreverente
Tô me lixando que cê vai ficar descontente
Você que quer meu cabelo raspado
Pra não ficar se ressentindo, chateado
Agora eu vou é deixar crescer a engundar
Formando mesmo uma placa; um tapete capilar
Cê vai ficar horrorizado de doer
Que vai até pedir pra morrer
Vai ficar mesmo indignado o rapaz
Protestando que meu cabelo ‘tá demais’
Cê quer meu cabelo sempre cortado
E assim eu tenho me comportado
Mas agora vou crescer meu cabelo num trançado
Sobre o couro cabeludo traçado
Nem se você vai se desgostar
Se com meu novo look não vai se dar
Você quer minha cabeça sempre raspadinha
Mas agora vou transar nele umas trancinhas
E realçar com contas coloridas, com missangas
E pouco me dá se então você se zanga
Vou realçar as trancinhas com alegria
Com continhas com as cores da Bahia
Com as cores da Jamaica posso variar
Com o vermelho e preto também
Que são as cores que meu time tem
Posso variar com as cores do meu orixá
E você meu irmão que vá se danar
Que nem aí pra você vou estar
Exercendo minha liberdade capilar
Pois eu sou dono do meu nariz
Também desse cabelo que você maldiz
Você só quer meu cabelo cortado
Pois, grande, cê fica chocado
Mas uns finos dreads nele vou transar
A lá Djavan, Brown, e quem mais há
Quero ver sua cara como vai ficar
Meu cabelo em nada me faz incomodado
Esteja ele como for, mesmo raspado
Você é que tem que com a vida se resolver
E aceitar a natureza como Deus quis fazer
E não vir com essa de que eu tenho que cortar
Pra você não se sentir em mal estar
Se cabelo de negro problema vem lhe trazer
Eu nada meu irmão posso então fazer
Carregue um espelho para então se olhar
Quando um negro cabeludo em sua frente pintar
Aí então você vai se sentir melhor
Você que se acha que é tal, melhor
Nem tudo no mundo nos agrada, infelizmente
Como não agrada a nós , afrodescendentes
Quem deste modo nos quer inferiorizar
Pelo cabelo ou pele que a natureza dá
E nem me venha com esse papo de pente
Que isso é lá invenção da sua gente
Que esse artefato achou por bem de inventar
Para atender sua necessidade capilar
Nosso povo, tal objeto nunca inventaria
Pois pra nosso cabelo nunca serviria
Pra gente o que rola é o todo embaraçado
O Black Power, os dreads, o trançado
Ou que mais a gente inventar
Então se chegue com seu pente pra lá
Você até que tem ousadia, rapaz
De se botar de escroto sagaz
Mas o que lhe falta é a inteligência
Ou quem sabe justa consciência
Pois como pode alguém querer esculhambar
Pelo cabelo ou pele que a natureza lhe dá
Você só quer meu cabelo aparar
Pois se revolta se eu criar
Mas a minha agora é te desprezar
E levar meu cabelo como se me dá
Na afirmação, na resistência, meu irmão
Contra o racismo e a descriminação
Agora vê se você me deixa em paz
Pois aqui é cabelo de nego, rapaz!
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